No porão ao escrever sobre sua vida,
Liesel jurou que nunca mais tomaria champanhe, pois nunca teria um sabor tão
gostoso quanto naquela tarde quente de julho.
O mesmo se deu com
acordeões.
Muitas vezes ela
teve vontade de perguntar ao pai se ele lhe ensinaria a tocar, mas, por isso e
aquilo, alguma coisa sempre a impedia. Talvez uma intuição desconhecida lhe
dissesse que ela jamais conseguiria tocá-lo como Hans Hubermann. Com certeza,
nem mesmo os maiores acordeonistas do mundo seriam comparáveis. Jamais conseguiriam
equiparar-se àconsentração displicente do rosto do papai. Ou, então, não
haveria um cigarro trocado por um serviço de pintura pendendo dos lábios do
músico. E eles nunca saberiam cometer um errinho com uma risada retrospectiva
em três notas. Não do jeito que ele sabia.
Vez ou outra, naquele porão, Liesel
acordava saboreando o som do acordeão nos ouvidos. Sentia a queimação doce do
champanhe na língua.
De quando em quando, sentava-se encostada
na parede, desejando que o dedo morno de tinta passasse só mais uma vez pelo
lado de seu nariz, ou querendo ver a textura de lixa das mãos do pai (Hans Hubermann).
Se ao menos pudesse voltar a ser tão distraída,
a sentir tanto amor sem saber, tomando-o por engano pelo riso e pelo pão com um
levíssimo cheiro de geléia esplhado por cima.
Foi a melhor época de sua vida.
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